A expansão de grandes empreendimentos energéticos — como parques eólicos, hidrelétricas, linhas de transmissão e exploração de petróleo — tem gerado tensões cada vez mais visíveis com comunidades indígenas, quilombolas e povos tradicionais no Brasil. Em muitos desses casos, o centro do debate jurídico está na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), especialmente nos Artigos 6 e 15, que tratam da Consulta Livre, Prévia e Informada (CLPI).
Mas afinal, o que esses artigos dizem e qual o impacto prático deles nos projetos energéticos?
O que é a Convenção 169 da OIT?
A Convenção nº 169 da OIT é um tratado internacional assinado pelo Brasil em 2002, por meio do Decreto nº 5.051/2004 (atualmente atualizado pelo Decreto nº 10.088/2019). Ela reconhece os direitos coletivos de povos indígenas e tribais, incluindo o direito de serem consultados sempre que medidas administrativas ou legislativas possam afetá-los diretamente.
Esse tratado tem força de norma supralegal no Brasil, o que significa que está acima das leis ordinárias, embora abaixo da Constituição. Seu descumprimento pode levar à nulidade de licenças ambientais e até à suspensão de obras.
O que dizem os Artigos 6 e 15?
Artigo 6
Garante o direito de consulta livre, prévia e informada, com o objetivo de obter consentimento dos povos afetados. O processo deve ser:
- Livre: sem coerção, manipulação ou pressão externa;
- Prévio: antes da aprovação ou execução de projetos;
- Informado: com acesso claro e completo às informações sobre o projeto, seus impactos e riscos.
A consulta deve ocorrer por meio das instituições representativas dos povos envolvidos e com tempo adequado de deliberação.
Artigo 15
Trata do direito dos povos sobre os recursos naturais existentes em suas terras, e reforça que qualquer uso ou exploração desses recursos deve ser precedido de consulta. Isso é especialmente relevante para projetos como:
- Exploração de petróleo, gás ou minerais;
- Instalação de parques eólicos, solares ou linhas de transmissão;
- Construção de barragens e usinas hidrelétricas.
Impacto no setor energético brasileiro
Os artigos 6 e 15 da OIT 169 estão diretamente relacionados aos conflitos e embargos envolvendo projetos energéticos em áreas com presença de comunidades tradicionais. A ausência de uma consulta adequada pode gerar:
- Suspensão judicial de licenças ambientais (como já ocorreu no Pará e no Maranhão);
- Anulação de processos de licenciamento por falta de participação social;
- Conflitos territoriais, afetando cronogramas, orçamentos e imagem das empresas envolvidas.
Além disso, o Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública têm atuado fortemente na exigência de que a CLPI seja considerada parte essencial do licenciamento ambiental — e não uma etapa posterior ou simbólica.
O que é necessário para cumprir a CLPI?
Empresas e governos precisam garantir:
- Mapeamento adequado das comunidades afetadas;
- Diálogo intercultural real, com tradutores e mediadores quando necessário;
- Tempo suficiente para deliberação comunitária;
- Registro transparente de todas as etapas da consulta;
- Respeito à decisão das comunidades, que pode incluir sugestões, restrições ou mesmo a recusa do projeto.
A consulta não é apenas uma formalidade — ela é um instrumento de cidadania, proteção territorial e justiça ambiental.
Conclusão
Compreender e aplicar corretamente os Artigos 6 e 15 da Convenção 169 da OIT é um passo essencial para garantir que a transição energética brasileira aconteça de forma justa, legal e inclusiva. Respeitar o direito à consulta livre, prévia e informada não é apenas uma obrigação legal, mas uma prática que fortalece a legitimidade social dos projetos e evita conflitos que podem comprometer toda a cadeia energética.