Expropriação verde: quando o discurso ambiental justifica a retirada de pessoas do território

Com o avanço de grandes projetos de infraestrutura — como parques eólicos, usinas solares, linhas de transmissão e áreas de proteção ambiental — têm surgido denúncias sobre expropriações forçadas ou pouco transparentes, realizadas sob o argumento da preservação ambiental ou da transição energética.

Esse fenômeno, chamado por alguns pesquisadores e movimentos sociais de “expropriação verde”, levanta uma questão urgente: estamos usando a pauta ambiental para justificar a retirada de populações inteiras de seus territórios?

O que é expropriação verde?

A expropriação verde ocorre quando o Estado ou empreendimentos privados, com respaldo legal ou político, removem populações locais sob a justificativa de proteção ambiental ou instalação de projetos “verdes”, como:

  • Unidades de conservação de proteção integral;
  • Parques eólicos e solares;
  • Projetos de reflorestamento ou compensação ambiental;
  • Infraestruturas sustentáveis inseridas em zonas rurais e costeiras.

Embora nem toda remoção nesses contextos seja injusta, a crítica surge quando não há consulta adequada, indenização justa, compensação territorial ou alternativas habitacionais para os moradores atingidos — especialmente agricultores familiares, comunidades tradicionais, ribeirinhos, pescadores e povos originários.

Expropriar em nome da natureza?

No Brasil, a Constituição prevê a desapropriação por interesse público, inclusive para fins ambientais. No entanto, há uma linha tênue entre preservação legítima e injustiça socioambiental, principalmente quando:

  • O licenciamento ambiental é usado como ferramenta de pressão para retirada de famílias;
  • O discurso de sustentabilidade é aplicado sem considerar quem vive no território há gerações;
  • A instalação de projetos “verdes” causa impactos sociais semelhantes aos de obras poluentes — como perda de terras, identidade e modos de vida.

Essas práticas têm sido denunciadas por movimentos como o MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens), o CPT (Comissão Pastoral da Terra), organizações quilombolas e indígenas, e até instituições acadêmicas que estudam justiça ambiental.

Exemplos emblemáticos

  • Litoral do Piauí e do Ceará: comunidades pesqueiras relatam perda de acesso a áreas costeiras após instalação de parques eólicos ou criação de APAs (Áreas de Proteção Ambiental) sem consulta prévia.
  • Sertão da Bahia e do RN: agricultores familiares foram notificados de desapropriação em áreas destinadas à implantação de usinas solares, com indenizações consideradas irrisórias ou ausência de reassentamento.
  • Amazônia Legal: projetos de reflorestamento e créditos de carbono, financiados por fundos internacionais, têm gerado disputas fundiárias com populações tradicionais que ocupam a terra há décadas.

O problema está no “para quem”

O avanço da economia verde é necessário, mas quem paga o preço dessa transição? Quando comunidades pobres, invisibilizadas e já vulneráveis são removidas em nome da sustentabilidade — sem voz nem reparação —, a transição energética corre o risco de se tornar um novo vetor de injustiça socioambiental.

Não é possível falar em energia limpa se a produção dessa energia resulta em expulsão, insegurança alimentar e perda de território para milhares de pessoas. A energia só será verdadeiramente limpa se também for socialmente justa.

O que dizem os especialistas?

Juristas e estudiosos do direito socioambiental defendem que:

  • Toda desapropriação deve seguir princípios constitucionais como função social da terra, dignidade da pessoa humana e devido processo legal;
  • Consultas livres, prévias e informadas, conforme a Convenção 169 da OIT, devem ser obrigatórias para qualquer empreendimento em áreas habitadas;
  • A compensação territorial e cultural deve ser debatida com a comunidade, e não imposta unilateralmente pelo Estado ou pela iniciativa privada.

Conclusão

A transição energética não pode repetir os erros do passado, em que o progresso justificava o sacrifício de populações inteiras. A “expropriação verde” é um alerta: o futuro sustentável precisa incluir justiça, participação e distribuição equitativa dos benefícios e custos da energia. Preservar o meio ambiente nunca pode ser desculpa para remover quem cuida dele há gerações.

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